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A Importância do Estudo na Umbanda

Quando eu estava em meu último estágio da adolescência, já sendo maturado para os labirintos e trincheiras dos primeiros empregos e para a alegria fugaz do nome nos boletos de pagamento, eu conheci um sujeito que tinha um hábito bem peculiar. Singular, excêntrico ou sui generis, como você preferir chamar.


Esse meu conhecido tinha o hábito da fila indiana. Sem qualquer tipo de cerimônia, esse cidadão enfrentava filas que não fariam feio em um top 10 da categoria. Ao avistar uma fileira de homens, mulheres e crianças, ele rapidamente se tornava o último elemento da composição. Sem qualquer hesitação ou pergunta sobre a necessidade do processo.


Não perguntava sobre a expectativa de atendimento, qual o objetivo do alinhamento de tantos seres humanos e nem tampouco se sujeitava às conversas corriqueiras para passar o tempo. Qualquer compromisso pessoal estava sumariamente cancelado se ele topasse com essa concentração em seu caminho. 50, 40, 30 minutos... Não fazia a menor diferença. Chegava a esbravejar ou a soltar muxoxos se alguém quisesse fazer valer o período máximo permitido por alguma lei municipal ou estadual. O prazer era seguir dançando no ritmo da massa. Somente ao chegar ao destino, a razão era descoberta. E não fazia também a menor diferença para ele. Não havia qualquer regozijo no ganho de brindes, no olhar inquisitivo de um caixa de banco, ingressos gratuitos fornecidos por uma rádio, revistas. O comportamento era sempre o mesmo. De forma mecânica, retirava o que dava para retirar e retomava a sua marcha para as engrenagens das quais faria parte nas próximas horas. Até a próxima fila. Comparando a uma situação de férias, era como se a magia estivesse toda na paisagem borrada com o deslocamento, na viagem, não no local de repouso ou de lazer.


Usei esse meu conhecido para falar da necessidade de tentar entender o que se passa em cada atividade humana. Claro que algumas situações não pedem e nem passam pela lógica habitual, pelo raciocínio bruto. No entanto, a sensibilidade declamará o que fazer nessas ocasiões. Falei de tudo isso para falar de Umbanda. Podemos escolher estar dentro de nosso desenvolvimento com uma busca pelo conhecimento do que acontece em nosso entorno ou podemos simplesmente nos alijar da dinâmica, o que acaba tirando o potencial da operação ou fazendo com que ela demore mais do que o necessário.


Em 15 de novembro de 1908, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, entre tantas coisas ditas, pronunciou que devemos “aprender com quem sabe mais e ensinar a quem sabe menos”. As palavras-chave do primeiro manifestante oficial da Umbanda são aprender e conhecer, apontando desde a saída que o conhecimento, o estudo, é imprescindível para a formação do médium. Até por conta de nossa relação incomum com o desconhecido, convencionou-se acreditar que o espiritual só funcionaria com o total apagamento do medianeiro ou com ações de pirotecnia. O guia resolveria todas as questões sem a necessidade de participação intelectual de seu aparelho. Ou seja, o dito aparelho percorreria toda a extensão da fila sem qualquer labuta ou questionamento. Ao despertar novamente para a vida, o médium veria só o problema resolvido, como se observasse a folha nua de um caderno e depois só acordasse após o pingar do ponto final. Hoje, por uma série de fatores, sabemos que há uma parceria resolvida no astral que também exige a colaboração do parceiro físico. Tudo em nome do aprimoramento moral e ético.


Há três tipos de mediunidade: inconsciente, semiconsciente e consciente. A inconsciente ou sonambúlica é aquela em que o médium fica alienado do procedimento no qual está envolvido; a semiconsciente é aquela em que há uma lembrança apenas parcial do envolvimento; a consciente, como o próprio nome denuncia, é o contexto em que o aparelho está vendo tudo o que acontece e está colaborando diretamente para o trabalho.


Em nossos tempos, o mais comum é a mediunidade consciente, que dá visão e passagem para o aparelho intervir e usar seus próprios recursos em benefício de terceiros. É justamente por isso que é crucial que haja a busca de conhecimento para que não haja somente a escora nas capacidades dos guias. É importante que saibamos e respeitemos suas capacidades e suas histórias, mas eles também se encontram em algum ponto da evolução espiritual. Nosso respeito e nossa sapiência devem vir em forma de estudo para honrar o conselho inicial do Caboclo Sete Encruzilhadas. Aprendi em minha caminhada que a união do guia com o médium resulta em uma terceira entidade. Sendo uma terceira entidade, a contribuição do aparelho se torna primordial para que o repertório seja ampliado e aja em auxílio dos carecidos. Além do mais, eu entendo que é relevante encontrar significado ao percorrer a extensão da fila do meu amigo que introduziu este texto. Buscar o entendimento, nesse caso, é respeitar o(s) seu(s) companheiro(s) de jornada e o credo que você carrega no peito. Só que esse meu entendimento é de agora. Ainda vejo o sol raiando na minha manhã pessoal.


E talvez seja a hora de ver o valor da conversa com os confrades de fila. E quem são os companheiros de fila? Podemos chamá-los pelos nomes terrenos de Zélio Fernandino de Moraes, Hippolyte Léon Denizard Rivail, Chico Xavier, Divaldo Pereira Franco, Rubens Saraceni, Lurdes de Campos Vieira, Adriano Camargo, Ailton Krenak, Daniel Mundukuru, Alexandre Cumino, José Usher, Reginaldo Prandi, Luiz Antônio Simas, José Henrique Motta de Oliveira, Marshall B. Rozenberg, Emanuel Cristiano, Alan Barbieri, Ermance Dufaux, Adérito Simões, Francisco Rivas Neto, André Cozta, Diamantino Fernandes Trindade, Ronaldo Antonio Linares, Ademir Barbosa, entre outros. E posso ter sido injusto ou não ter dado ouvidos a alguns outros, mas quero dizer que sempre é uma questão de tempo para que isso ocorra. E que os recursos são quase inesgotáveis. Livros, vídeos, filmes, documentários e a velha e boa oralidade. O essencial é que a troca de ideias traga a reflexão. Que tenhamos olhos de ver e ouvidos de ouvir para o que agrega e que acrescenta.


Talvez entender todas as miudezas do mecanismo da formação da fila não seja algo essencial para o meu amigo e nem para o contribuinte médio. Todavia, para qualquer pessoa sensata, as perguntas teriam que ser determinantes. "Qual o intuito dessa fila?". Ou uma outra para si mesma, "Do que eu preciso nesta fila?". Poderíamos ter mais uma série de questionamentos relacionados ao agrupamento. No entanto, o nosso personagem preferiu continuar como um autômato. Devemos ter consideração com o tempo e as prioridades dele. Um dia meu amigo perceberá que o somatório de todas as filas é a vida e que os dias são os passos dados. E como diz um velho amigo de caminhada, que escolheu ser chamado de Tranca Rua das Almas, o passo mais difícil é o primeiro. E nossos pés descalços já travam contato com esse chão há algum tempo.

 
 
 

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