A vaidade nos terreiros de Umbanda
- Erik Stofanelli
- 24 de jan. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jan. de 2022
O título deste texto pode sugerir que a vaidade é um desafio exclusivo dos médiuns frequentadores de uma casa umbandista, mas sabemos que isso não é verdade. A vaidade é um sentimento que aflige toda a humanidade, em todos os tipos de relacionamento, e não só nos meios religiosos.
Por definição, a vaidade é uma qualificação que a própria pessoa se atribui, com o intuito de supervalorizar suas aptidões. Em geral, é algo que se apoia sobre o que é ilusório. É uma característica associada à ostentação, à arrogância e ao orgulho. A vaidade destaca, portanto, o “ego” na frente de qualquer ação tomada, ainda que com fins louváveis.
Não é difícil concluir que esse tipo de sentimento é totalmente incompatível com aquilo que se defende na Umbanda, seja ela de que vertente for. Em linhas gerais, podemos conceber que a Umbanda está amparada num fundamento único e simples, que é a manifestação de espíritos para a prática de caridade. E a caridade, por definição, é um ato de bondade e amor ao próximo, que não olha a quem. É uma ação desinteressada, que contribui para o crescimento tanto de quem a pratica quanto de quem a recebe. É importante compreendermos que ajudar o próximo para se autopromover não é caridade (“não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”).
Na Umbanda, a vaidade ganha contornos ainda mais distantes dos seus fundamentos se considerarmos, por exemplo, as lições trazidas por uma das entidades mais importantes da religião, os pretos velhos. As lições trazidas por estes magníficos seres de luz sempre nos alertam sobre a necessidade de sermos humildes. A humildade é uma qualidade que nos aproxima da simplicidade, da modéstia, da consciência de nossas próprias limitações e, portanto, nos afasta do “ego”.
Esta mesma lição de humildade se faz presente na Umbanda desde a sua fundamentação em 1908, com Zélio Fernandino de Morais e a aparição do Caboclo das Sete Encruzilhadas. A própria identificação do caboclo perante aquelas pessoas presentes numa reunião da Federação Espírita de Niterói já buscava o afastamento da supervalorização de qualquer individualidade. Sabemos, nos dias de hoje, que o nome de todas as entidades da Umbanda representa, na verdade, um coletivo de seres de luz com propósitos e energias afins, trabalhando em nome do amor e da caridade.
Há muitos outros elementos na Umbanda que nos remetem à necessidade de nos mantermos eternamente vigilantes contra a vaidade. Os pés no chão constituem um importante simbolismo da humildade, que nos coloca em contato direto com o solo sagrado do nosso terreiro. A obrigatoriedade de utilizarmos roupa branca é outro fundamento que tem por objetivo nos colocar todos em igualdade de condições. Dentro do terreiro, somos todos iguais, apesar das diferentes responsabilidades de cada trabalhador. São lições que podem e devem ser levadas para nossas vidas, fora do terreiro.
A mediunidade, inerente a todos os seres humanos, não deve ser vista exclusivamente pelo viés missionário (que foi designado a raríssimas pessoas que acumularam durante suas várias reencarnações uma bagagem de amor nato e verdadeira sabedoria). Em geral, os médiuns que tiveram a graça de receber uma faculdade mediúnica estão aqui para acelerar resgates, e não porque foram eleitos e escolhidos por Deus ou pelos Orixás, nem porque são melhores que os demais irmãos de caminhada.
A vaidade se manifesta no médium que se acha imprescindível para a realização dos trabalhos, quando alguém quer exaltar seu conhecimento para desprezar os demais, quando um médium acredita que “sua” entidade é melhor que as outras, que a sua roupa é mais bela e radiante do que a dos outros, que a incorporação do irmão é feia, estranha e cheia de mentiras, quando a sua é linda, perfeita, magnânima e única verdadeira. A vaidade é uma arma utilizada pelos obsessores para seduzir médiuns sintonizados com sentimentos nada nobres, que estão ligados a tudo aquilo que os afasta da religião e os coloca no centro das atenções e de todos os acontecimentos.
Quantos irmãos do povo de santo já deixaram seus terreiros por se acharem grandes demais, ou por sentirem que as “suas” entidades precisam de um espaço só delas para devoção e idolatria ou porque acreditam que seus zeladores não lhes podem ensinar mais nada, já que sabem mais ou de tudo?
O péssimo hábito de nos compararmos o tempo todo é uma das portas de entrada para nos tornarmos vaidosos. Devemos estar conscientes de que não existe médium melhor que outro e muito menos entidade melhor que outra. O dia que compreendermos que eu sou porque nós somos, a vaidade deixará de ser um desafio e ficará apenas como parte de nossas lembranças do aprendizado que tivemos em nossas vidas.
Ubuntu é uma palavra do idioma kibundu (originária dos povos de matriz bantu, na África) que traz em seu significado (não literal) uma conectividade das nossas existências amparada na solidariedade, cooperação, respeito, acolhimento, generosidade e amor como único caminho, que busca o bem-estar e a felicidades de todos. O sentido da Umbanda está inserido neste contexto do Ubuntu e nos desconecta totalmente de qualquer sentimento de vaidade, arrogância e orgulho.
É preciso que estejamos conectados com os propósitos verdadeiros de nossa Casa e de nossa religião. Reconhecer nossas falhas nos permite propor mudanças em nossas ações e condutas que irão nos recolocar na caminhada que nos leva em direção à seara da espiritualidade. Somos seres humanos, passíveis de falhas, e a vaidade é um dos grandes desafios a serem enfrentados.
Nunca é demais relembrar a velha máxima bíblica e espírita que diz o seguinte: “vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o Espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”.
Saravá Umbanda!!!
Texto recomendado:
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