O Que é a Camarinha?
- Casa de Caridade Gauisa
- 10 de jun. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de jun. de 2021
Mas, afinal, o que é a camarinha?
Todos nós sabemos que a Umbanda é uma religião brasileiríssima, sincrética, que recebeu (e continua recebendo) influências de práticas religiosas e espirituais do Brasil e do mundo.
A Umbanda traz, desde a sua fundamentação em 1908, um grito de liberdade que ecoa até os dias de hoje nos terreiros de nosso país, com a manifestação de entidades espirituais que representam povos e grupos de pessoas que, ao longo da sua história, foram bastante oprimidos. Dentre estas entidades de luz, podemos destacar: os pretos velhos, os caboclos, as pombagiras, os malandros, etc.
Este ideal de liberdade, como característica marcante da religião, também se revela na absoluta ausência de imposição de quaisquer padrões de funcionamento, comportamento, rituais e sacramentos às casas umbandistas. Cada dirigente espiritual é livre para estabelecer quais procedimentos serão utilizados no seu terreiro. Nesta linda diversidade, aparecem vertentes diferentes da religião.
Pai Joaquim das Almas, mentor espiritual da Casa de Caridade Gauisa, quando questionado acerca de qual vertente da Umbanda seu terreiro se enquadra, responde com bastante humildade e sabedoria que: “Umbanda é Umbanda”. As singelas e poderosas palavras desse preto velho explicam que, dentro de cada terreiro, há um universo inteiro de crenças, tradições e costumes, que são diferentes entre si. Todavia, essa diversidade não afasta a unicidade da religião, que pode ser resumida e reconhecida por qualquer pessoa onde houver manifestação de espíritos para a prática da caridade.
Nesta linha de raciocínio, é fácil concluir que a verdade possui vários caminhos. E, na Casa de Caridade Gauisa, não há dúvida de que o amor é o caminho. Neste ambiente de puro acolhimento e cura, em todos os sentidos, um dos rituais de maior importância para os filhos que integram o corpo mediúnico da Casa é a CAMARINHA.
MAS, AFINAL, O QUE É A CAMARINHA?
Originalmente, a Camarinha é um sacramento (no sentido de ritual sagrado) que advém dos candomblés, onde tem a força de uma iniciação. Na Umbanda, não há a mesma rigidez de regras, prazos e rituais das casas candomblecistas. Porém, o fundamento deste ritual não se perde com tais diferenças procedimentais.
Na Casa de Caridade Gauisa, os médiuns que fazem a Camarinha são escolhidos por Pai Joaquim das Almas. Dentre os vários fatores (conhecidos e desconhecidos) que determinam esta escolha, há pelo menos uma avaliação do estágio de desenvolvimento mediúnico e da sua preparação para o compromisso que será firmado diante da espiritualidade.
Este primeiro chamado já é suficiente para fazer com que os médiuns sintam o peso da responsabilidade de fazer parte deste importante ritual, que ressignificará sua posição dentro do terreiro. Vale ressaltar que essa ressignificação nada tem a ver com questões hierárquicas, mas tão-somente com a força do compromisso que é assumido pelo médium diante da egrégora da Casa, como trabalhador de última hora na Umbanda.
Ademais, o médium que participa da Camarinha passa a ser mais uma referência dos irmãos de fé que ainda estão no início do desenvolvimento mediúnico.
A Umbanda não é iniciática como o candomblé, como já mencionamos anteriormente. Todavia, é inegável que a Camarinha insere a religião dentro da vida cotidiana do médium de maneira mais incisiva.
Numa quinta-feira previamente designada, os médiuns iniciam o seu recolhimento no terreiro (a famosa “deitada”), com o objetivo de identificar os Orixás que formam a sua coroa ou eledá. É no silêncio do terreiro, diante do congá, firmando seus pensamentos aos Orixás, que a magia começa e os conecta às suas divindades pessoais. Com o coração aquietado e a mente serena, a energia dos Orixás que estão conectadas ao médium se revela mais firme e forte do que nunca. A sutileza e a potência de tais energias se tornam extremamente presentes, afinando e aguçando a mediunidade.
Para auxiliar o médium na identificação dessas energias, a sacerdotisa do terreiro utiliza diversos métodos, tais como estudos de numerologia relacionada à data de nascimento, astrologia, até jogos de búzios, cartas e/ou outras ferramentas divinatórias.
Após a confirmação dos Orixás que fazem parte da cabeça do médium, reconhecendo a energia presente na sua coroa, há uma série de rituais magísticos que visam ao fortalecimento desta conexão já existente, incluindo lavagens, banhos, defumações e, principalmente, preparações de oferendas.
O fundamento deste ritual é baseado no conhecido itan da criação do Orí (que significa “cabeça” em iorubá). O mito começa a partir da criação do mundo por Odudua, por determinação de Olodumarê (senhor de Òrun ou Olórun), que também concedeu a Obatalá a função de criar o ser humano. Em seguida, Ajalá, o oleiro primordial, é convocado para ser o responsável por modelar a cabeça das pessoas que vão renascer na Terra (Àiyé), utilizando-se para tanto, além do barro, de substâncias ou elementos colhidos junto aos Orixás.
Porém, Ajalá tinha o hábito de embriagar-se enquanto cozia o barro das cabeças que modelava, deixando algumas cruas demais e outras queimadas. Por esse motivo, há pessoas cujas cabeças são boas e outras cujas cabeças são ruins. Para as primeiras, o destino prevê riqueza, vitórias e prosperidade, enquanto que para as outras, o destino pode ser tortuoso, complicado e ruim.
Trata-se, portanto, de uma bela história que revela o simbolismo utilizado pelos iorubás para explicar a diversidade de caráter e de desempenho do ser humano na sua vida terrena.
A alimentação do Orí por meio de oferendas se dá com o objetivo de proporcionar a harmonização da cabeça interior (Orí inu) do médium e a reposição do axé (energia). É na Camarinha que as quartinhas são assentadas com elementos associados às energias do médium e dos Orixás que o acompanham.
Ao final de todos os rituais, a conexão da energia do médium com as forças dos Orixás é firmada com a raspagem (feitura) da cabeça e, por fim, com a saída da Camarinha numa linda festa que acontece num domingo, onde o médium recebe as guias consagradas aos seus Orixás e às suas entidades de trabalho.
Depois de toda essa linda comunhão de forças, celebrada no Àiyé e no Órun, pede-se que o médium siga um determinado preceito por alguns dias, a fim de evitar que esse axé recebido durante a Camarinha possa esvair-se.