Oração - Comunicação de Amor
- Casa de Caridade Gauisa

- 15 de jul. de 2021
- 6 min de leitura
"Com os joelhos sobre o chão/ Peço a ti, ó Deus e meu Senhor/ Que escutai esta oração/ E atenda os meus apelos por favor/ Que por vossa infinita misericórdia/ Eu me restabeleça em concórdia/ Aprendendo de fato o que é amar/ Exaltando o teu nome em louvores/ Dando graças, honrando-te em amores/ Conclamando para me salvar".
O homem está sentado na porta de uma casa de taipa. No interior de seu lar, ele tem os seus bens mais caros: dois garotos pequenos, a mulher grávida de oito meses e uma cadela magérrima. Há algum tempo só sobrevivem de uma mistura de farinha e água suja. Enquanto enxerga a seca e a miséria avançando e engolindo tudo em volta, o homem junta as suas mãos, olha para o céu e pede a Deus que o sofrimento cesse. Faz a reza com as palavras que tem em seu parco repertório, mas ele tem a fé, o principal para que sua voz seja ouvida no mundo visível e no invisível.
O primeiro texto, de autoria do cordelista alagoano Fábio Alves, mostra um homem depositando seus joelhos, em posição de humildade, rogando pelo ensinamento divino do amor e por sua salvação. Já o segundo, embora não tenha nenhuma marcação geográfica, traz as marcas que apontam para o padecimento do homem nordestino com a seca, que é senhora implacável no sofrimento desse personagem que é descrito pelo escritor Euclides da Cunha como um forte. E essa força vem de sua fé em tempos melhores. Não maldiz, nem pragueja contra o destino. O homem pede apenas que Deus toque a sua mão. O nordestino guarda várias figuras de vultos religiosos e manifestações fortes de crença em suas fronteiras, tais como o Tambor de Mina, o Candomblé, o Catimbó, Padre Cícero, Frei Damião, a Jurema Sagrada, etc. No entanto, o que é importante dizer mesmo é que o ponto em comum entre os dois textos é a oração.
A palavra oração, originada do latim "orare", tem o sentido original de evocar uma fórmula ritual, uma súplica, um discurso, pedir, rogar, pleitear, advogar. Por influência do latim da igreja, a palavra orar ficou voltada para a súplica a Deus.
O que é a oração, a reza, no cotidiano dos homens? "Rezar é dirigir-se aos seres superiores, para clamar ajuda e misericórdia, para aliviar as dores e os sofrimentos na matéria ou no espírito. É uma forma de clamor ao Pai Celeste ou às suas divindades, para que nos ofereçam amparo e consolo nas horas de dificuldade. As preces não devem ser feitas apenas em momentos de sofrimento ou para solicitar ajuda na realização de desejos materiais. Elas devem ser feitas sempre, mesmo quando tudo corre bem e a vida está em ordem. (...) A oração abre nossa comunicação com o plano superior, faz vibrar nosso coração sublimado e feliz, faz vibrar positivamente nossos chacras, permitindo a troca de energia com o como, com maior facilidade". Essa definição de reza e oração é fornecida pelo Mestre Pena Branca no livro "Sermões de um Mestre Pena Branca: aos Filhos da Terra", de Lurdes de Campos Vieira.
O Caboclo ainda acrescenta que os povos antigos sabiam exatamente o que faziam quando entoavam suas orações. Nossa tendência atual é o automatismo da oração, sem a atenção devida a cada palavra. Por exemplo, quando rezamos o Pai Nosso, passamos pelo trecho "Perdoai as nossas ofensas/ assim como nós perdoamos aqueles que nos tem ofendido". E atravessamos essas duas sentenças querendo somente o benefício da primeira. Queremos o perdão, mas temos a dificuldade em presentear nossos algozes com o mesmo auxílio. "Pai nosso que estás nos céus/ santificado seja o vosso nome/ vinde a nós o vosso reino/ sua feita a sua vontade". A oração fala da vontade dos desígnios de Deus. No entanto, muitas vezes não notamos e direcionamos o nosso rogo para que seja feita a nossa própria vontade. E somente na Terra.
Na bíblia, o Pai Nosso (ou Oração Dominical, ou Oração Modelo) aparece em dois momentos, nos evangelhos de Mateus e Lucas. Durante o Sermão da Montanha, Jesus usa a passagem para demonstrar como seus seguidores deveriam se dirigir a Deus. Essas palavras são uma via de acesso ao Pai, a mais conhecida e adotada do cristianismo, porém, ela não invalida qualquer manifestação de diálogo com os céus. Ainda que sejam diferentes no formato, são válidas as mais puras, as mais intrincadas maneiras. O que é determinante é que elas estejam varadas de amor, de verdade.
O homem do nosso segundo texto, aquele sentado na porta da casa humilde, não vai usar das palavras mais requintadas do dicionário, nem tampouco lançará de orações decoradas. Ele fará seu clamor com o coração. Com isso, eu me recordo também da criança que emite a oração que diz, "Acordo com Deus/ com Deus me levanto/ na divina graça do Espírito Santo". Ela sabe perfeitamente que está convidando Deus para guardar seu sono e para conduzir seu despertar. Ambas as formas são agradecimentos da forma mais inocente e conjuram um grau de consciência.
A prece é um elemento universal da espiritualidade humana. Embora cada uma das religiões traga as suas peculiaridades, o hábito de se conectar ao divino segue como o objetivo final. A atitude de respeito e de entrega ao sagrado são ferramentas comuns aos credos.
Os católicos têm o já citado Pai Nosso e a Ave Maria como orações básicas. O fiel também tem o hábito de rezar o rosário, fazer o sinal da cruz e efetivar as suas súplicas com os joelhos dobrados no genuflexório; os judeus extraem suas preces direto da Torá, o seu livro sagrado, e pedem perdão sem o suporte de intermediários, em uma ligação direta com Deus; hinduístas sentam em uma almofada, em posição de lótus, e fecham os olhos antes de iniciar sua religião com o que lhe é sagrado; o muçulmano tem cinco horários exatos de oração, que ele fará voltado para Meca, prostado no chão, em sinal de respeito ao criador. Todos encontram a luz e sentem a sua chama divina vibrar internamente.
Quanto aos umbandistas, nós temos uma sorte imensa de orações e preces para nos trazer um pedaço dos céus para os nossos terreiros e nossas residências. Até mesmo o ato de cantar um ponto nos concede uma reza dupla. A Umbanda faz uso do Pai Nosso, do Pai Nosso Umbandista, da Ave Maria, orações aos orixás, a Salve-Rainha, a Prece de Cáritas, a Oração de São Francisco, a Prece à Divina Luz, a Oração a Bezerra de Menezes, a Oração ao Anjo da Guarda, etc. Todas de uma beleza única e de uma força imensa na missão de nos religar aos canais divinos, nos unir às energias superiores. Nos não nos faltam recursos, então que nos sobre alma.
Quando menciono as orações, eu lembro sempre de meu pai contando uma história típica da oralidade nordestina, uma daquelas para ser entoada em torno da fogueira. Ele estava saindo da casa da namorada e recebeu a recomendação para não seguir por um determinado caminho e nem depois de certa hora. Teimoso já na adolescência, ele não seguiu o conselho e, para tomar um atalho, entrou mata adentro. Lá pela metade do caminho, meia-noite em riste, ele encontrou um cão negro gigantesco e de olhos flamejantes. O animal se postou justamente na área que ele teria que cruzar e foi avançando lentamente, como se aspirasse cada gota de suor de desespero de meu pai. Ele jamais foi um homem religioso, mas lembrou-se de sua velha mãe e do hábito de pedir aos céus na faixa das 18h. Fechou os olhos e recitou uma trôpega Ave Maria em voz alta. Quando abriu os olhos, ele não registrava mais qualquer vestígio da criatura. Foi para casa aos pulos. Nunca mais tomou aquele rastro. Verdade? Como diria um texto de Ariano Suassuna, "Eu só sei que foi assim".
E eu peço a vocês a licença para me despedir com uma de minhas orações favoritas, o "Poema da Gratidão", recitado por Divaldo Pereira Franco nas reuniões espírita, ditado originalmente pelo Espírito Amélia Rodrigues. "E meus pés que me levam a caminhar, sem reclamar.Porque eu vejo na Terra amputados, deformados, aleijados…e eu posso bailar!
Por eles eu oro, e a ti imploro, porque eu sei que depois dessa expiação, numa outra situação, eles também bailarão".
.png)
Comentários